Vale a Pena Ver de Novo





Retornar com um projeto antigo é sempre desafiador mas eu acredito que se algo não sai da sua mente é porque merece o devido valor, e foi pensando nisso que eu decidi voltar a dividir aqui minhas reflexões, informações e novidades que eu acho incríveis.


No post de hoje eu vou retornar de uma forma bem leve -só que não- inspirada no #TBT do instagram, todas as quintas aqui e lá vamos ter um quadro chamado “vale a pena ver de novo”, nele eu vou trazer acontecimentos que ja rolaram no mundo da moda e que na minha opinião valem a pena ser trazidos de volta a discussão


Semana passada a Prada lançou sua nova sandalinha a cara do nordeste, como eu já havia dito nos stories, casos assim no mundo da moda são muito comuns e que o mercado de luxo não fica isento de crime.

(imagem: O liberal)

Antes de começar a me aprofundar nos casos vou explicar da melhor maneira o que eu entendo ser apropriação cultural, que na maioria das vezes vem acompanhado do racismo e é basicamente quando um grupo se apropria de um elemento de uma determinada cultura que é desconsiderada e marginalizada por esse grupo e/ou demais, ganham prestígio e dinheiro enquanto os verdadeiros donos da cultura sofrem opressão pelo grupo dominante e outros. 

Esses elementos podem ser acessórios do vestuário, trajes(moda),  dança, música, símbolos,  expressões linguísticas(gírias), crenças religiosa e etc. 

Um exemplo muito simples e comum é o uso de tranças por pessoas pretas x pessoas brancas. Enquanto a mulher de pele branca, olho azul e cabelo loiro vai ser vista como linda e descolada, a mulher preta vai ser marginalizada na sociedade por usar algo que pertence às suas raízes e história.


Esse caso vem acompanhado pelo racismo, e a comunidade afro-descendente é a que mais sofre esse tipo de situações, vale a pena pesquisar, ler e ver vídeos de pessoas negras sobre o assunto, abaixo vou deixar uma lista de links interessantes para dar uma olhada.


Spartakus Santiago "O que é Apropriação Cultural?"

Nátaly Nery "APROPRIAÇÃO CULTURAL EXISTE? PODE BRANCA DE TURBANTE?"

              Apropriação cultural com Iza, Djamila Ribeiro e Ana Paula Xongani - Lilian Pacce


Existem alguns pontos que precisamos levar em consideração dentro da apropriação cultural como por exemplo, não podemos confundir apropriação culturaL com intercâmbio cultural, que é quando dois grupos trocam ou compartilham aspectos da sua cultura, na situação descrita não há grupo dominante ou marginalização de nenhum lado. Outra forma que ela não pode ser vista é como assimilação cultural, que ocorre quando um grupo inferiorizado faz uso de elementos, comportamentos e etc da cultura dominante para sobreviver.

Apesar de existir uma grande maioria que acha que não devemos dar tanta importância assim, a discussão sobre apropriação cultural é extremamente importante para os dias atuais da sociedade, estamos no momento discutindo sobre o #blacklivesmatter, numa tentativa incansável de mudar esse sistema violento que foi criado contra as vidas pretas, precisamos lutar contra o racismo. 


O respeito é a base de uma sociedade honesta e justa.


Voltando a nosso episódio...

 

Selecionei alguns casos de apropriação cultural que aconteceram no mundo fashion para refletirmos e aprendermos com a história, precisamos visitar constantemente o passado para não repetirmos os mesmos erros no futuro.


Isabel Marant x Santa Maria Tlahuitoltepec


Pra quem não conhece Isabel Marant é a criadora do famigerado Sneaker de salto plataforma sucesso de 2012.

Em 2015 a designer francesa foi acusada de plágio pela grife Antik Batik, que reinvindicava a autoria da túnica lançada na coleção de verão 2015 da sua marca, Isabel havia descrito a sua peça como "tribal sem ser muito literal", mas o que eles não esperavam que isso  seria ironico e tragico para suas marcas.



A verdadeira  autora da peça é a comunidade de Santa Maria Tlahuitoltepec, que fica situada na vila de Oaxaca no Mexico, que produz a tunica a 600 anos, tornando a simbolo de sua identidade. Um porta-voz da comunidade chegou a afirmar ao The Guardian o seguinte “Isabel Marant está cometendo plágio, pois a coleção contém elementos gráficos específicos das vestimentas Tlahuitoltepec, e não é uma criação nova, como afirma a designer”



Na época a comunidade indigena pediu para que a designer retirasse do seu site a peça e ainda a convidou para conhecer, visitar e aprender sbre as mulheres que fazem essa obra a tantas gerações.

Para se defender do processo contra a grife Antik Batik, Isabel apresentou evidências que provavam de fato que a inspiração para sua túnica vinham sim da vila de  Santa Maria Tlahuitoltepec. "Isabel Marant não alega ser a autora do design dessas peças", disse um porta-voz do seu escritório. 



Karlie K / Victoria Secrets x índios nativos americanos


Em 2012 a modelo Karlie Kloss apareceu no desfile da Victoria Secrets usando uma cópia do cocar da Nação Navajo, uma das tribos americanas mais antigas, aquilo gerou muita discussão naquele ano.



Karlie Kloss em 2012 nas gravações do desfile da Victoria Secret's

O site  Native Appropriations, um blog que representa os direitos indígenas escreveu o seguinte  “Isso não é uma fantasia, isso é a nossa cultura, nosso corpo e nossa vida”.

a tribo se revoltou e na época gerou muita polêmica e discussão sobre o assunto. Em entrevista a imprensa americana a porta-voz da Nação Navajo, Erny Zah disse "Sofremos atrocidades para sobreviver e garantir que nosso estilo de vida sobreviva. Qualquer gozação, não importa se seja Halloween ou Victoria's Secret, é como cuspir na nossa cara. Estão cuspindo na nossa cultura, é entristecedor"


Cocar original da Nação Navajo


A Victoria Secret’s lançou uma nota de pedidos de desculpas e retirou as imagens da modelo usando o cocar das filmagens do desfile. 


Assim como no Brasil os índios nos EUA ainda hoje sofrem preconceito, fora o que sofreram na época da colonização, a necessidade de haver conversas sobre essas em todas as áreas da nossa vida é necessária para que essas culturas sejam respeitadas e possam continuar a existir de forma digna livre de sofrimento e opressão.


Paul Smith x Peshawari Chappal

Paul Smith grife britânica, em 2014, lançou uma sandália chamada Robert. 

 O que quase ninguém sabia era que se tratava de um plágio de modelo tradicional paquistanês. Todo homem paquistão teve em algum momento da sua vida um par dessas sandálias, podem ser vistas no dia a dia ou combinadas com kurtas que é outra peça tradicional da sua cultura, juntas são usadas em eventos mais tradicionais como casamentos.

(Original Peshawari Chappal)

O assunto gerou muitas discussões, principalmente pelos paquistaneses que acusavam o estilista de plágio e apropriação da cultura e dos artesãos. Uma Petição no site Change.org  foi feita pedindo a grife e ao governo britânico alguma ação, o designer veio a público se desculpar e assumir que a sandália serviu de inspiração pra criação da sua, ele também removeu o nome Robert do site e a nomeou no lugar como “Men’s high-shine black leather sandals with neon pink trims inspired by the Peshawari Chappal.”

("Robert" by Paul Smith)


O modelo da marca saía por £ 300, enquanto o original custa £15, são 20x mais caro que a versão paquistanesa.


Na época o designer paquistanês Nomi Ansari disse o seguinte “Minha reação inicial foi apenas WOW. Me senti tão orgulhoso, mas infelizmente percebi que somos uma nação que não sabe seu valor”


Minha intenção em trazer de volta esses casos é desconstruirmos essa ideia de que grandes marcas detém de uma  criatividade sem igual muito distante da nossa realidade e que a cultura deve ser respeitada, virando tendência ou não. 

Algo que aprendi desde muito nova com a moda é que o que ela tem de único é o poder que nos dá de decidirmos o que vamos vestir, não podemos esquecer o quanto raro nós somos, devemos nos orgulhar das nossas raízes e temos o direito de fazer sem julgamentos, a começar por nós mesmos.  





Fontes: FFW/Terra/Megacurioso/Catraca Livre/ Dawn.com/The Guardian